O livro de Atos narra, no
capítulo 8, a história de Simão, um mágico da cidade de Samaria que era um
grande “sucesso” entre o povo. Ele iludia a população com mágicas, o que lhe
rendeu grande fama. O texto diz que todos lhe davam ouvidos chamando-o, inclusive,
de “Grande Poder”.
Quando a mensagem
salvadora do Evangelho chegou a Samaria por meio de Filipe, diácono da Igreja
primitiva, que anunciava a Cristo e realizava sinais e prodígios (8.4-8), a
multidão que andava após Simão creu no Senhor. Aparentemente, o próprio Simão
abraçou a fé, sendo até batizado. Digo aparentemente porque o texto sugere que
o que despertou o interesse de Simão não foi propriamente a Palavra pregada,
mas os sinais realizados. O versículo 13 diz que ele “acompanhava a Filipe de
perto, observando, extasiado, os sinais e grandes milagres praticados”.
Notamos, porém, que Simão
não estava preocupado com a glória de Deus, mas com a sua própria. Queria mesmo
era voltar a ser visto como o “Grande Poder”. Cristo Jesus não era o Deus digno
de adoração, mas simplesmente aquele que poderia conceder o que ele realmente
queria: voltar a ser notado pelo povo.
A evidência disso está
nos versículos subsequentes. Quando os apóstolos tomam conhecimento da
conversão de samaritanos, enviam para lá Pedro e João. Lucas narra que quando
Simão viu que, mediante a imposição de mãos dos apóstolos, os que creram
recebiam o Espírito Santo, tratou de tentar “comprar a bênção”, ofereceu
dinheiro aos apóstolos para que lhe fosse concedido o mesmo poder, e isso
rendeu a ele uma dura repreensão por parte de Pedro, que afirmou: “o teu
dinheiro seja contigo para perdição, pois julgaste adquirir, por meio dele, o
dom de Deus” (8.20). Pedro afirmou ainda que Simão não tinha parte naquele
ministério, que seu coração não era reto e que ele deveria se arrepender, o que
não sabemos se, de fato, ocorreu.
Mudando o que tem de ser
mudado, notamos que, quase dois mil anos depois do ocorrido com Simão, e
devidamente registrado nas Escrituras para o nosso ensino, o evangelicalismo
brasileiro, sobretudo no meio neopentecostal, padece do mesmo pecado. A grande
diferença é que no caso bíblico foi Simão que tentou comprar dos apóstolos a
bênção, enquanto hoje são os “apóstolos”, “pastores” e “missionários” que
tentam vender os favores divinos aos milhares de incautos “Simões” hodiernos.
Não é preciso pesquisar
muito para verificar. Basta perder (esse é o termo exato) tempo assistindo à
maioria dos programas evangélicos ou navegar um pouco pela internet para
encontrar “pastor” chamando de trouxa aqueles que ofertam simplesmente porque
amam a Deus, sem esperar nada em troca; “apóstolo” pedindo o trízimo e
garantindo que, após isso, os ofertantes terão um bom ano; “missionário”
pedindo “contribuição” a fim de orar pela salvação dos que foram indicados
pelos associados.
Se vivesse hoje, Simão, o
mágico, teria como escolher o melhor investimento, pechinchar e ficaria até
indeciso de quem comprar devido à grande quantidade de oferta no vergonhoso
mercado “da fé”.
A triste ironia é que
tudo isso tem acontecido em igrejas que são tidas por muitos como “herdeiras”
da Reforma Protestante, mas que desconhecem, ou fingem não saber, que um dos
grandes problemas atacados por Lutero em suas 95 teses foi justamente a
simonia, nome dado à compra ou venda ilícitas das coisas espirituais, que tem
origem na história de Simão, o mágico.
Na verdade, tanto os
estelionatários da fé, que têm vendido bênçãos, como os que têm comprado
cometem o mesmo pecado de Simão: tentam usar Deus para os seus próprios
interesses. Estes, pensando que conseguirão o favor divino com ofertas. Aqueles,
querendo faturar com a fé alheia, contudo, sempre com a mesma motivação
egoísta.
Como se vê, não é de hoje
que os homens querem se aproximar de Deus para os seus próprios benefícios.
Cuidemos para não cair nessa mesma cilada e entendamos que o Senhor deve ser
adorado não por aquilo que Ele pode nos dar, mas por quem Ele é como afirma o
salmista: “grande é o Senhor e mui digno de ser louvado, temível mais que todos
os deuses” (Sl 96.4).
A-BD
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